A saída do mercado formal e o reencontro com a arte
Após 15 anos de uma bela carreira na advocacia, a artista abandonou o mercado formal e todas as facilidades que esse “status” lhe proporcionava. Uma boa remuneração, uma profissão valorizada socialmente, uma sociedade no escritório dos sonhos, grandes clientes.
”“Eu amava aquela rotina de milhares de processos, equipes, reuniões, viagens, números, metas...não foi fácil perceber (e aceitar) que não era mais o que me movia, que não estava mais ali 100%.”
Simone Michielin
Num mundo ideal, tão logo um ciclo esteja chegando ao final, outro já está sendo preparado, de forma segura e tranquila, para que seja possível um momento de transição entre os dois ciclos. Mas nem sempre (ou quase nunca) a vida real é igual a teoria. “Eu não vi os sinais, então falhei, conduzi mal, sofri imensamente com o fim, vivi um luto mesmo”. E o processo de cura para ela, nesse momento, foi voltar a pintar, ainda sem perceber o movimento maior que estava acontecendo.
A força da arte que estava adormecida
Desde muito cedo a artista demonstrou esse perfil, que era incentivado pela família, já que eram cadernos e mais cadernos de desenhos e um número sem fim de lápis de cor, tintas e tudo mais que pudesse ser usado para expressar o que, até pouco tempo, parecia ser apenas um hobby, embora tenha se mostrado sempre bastante promissor.
Aos 9 pensava em ser estilista de moda e criou coleções inteiras (de croquis bastante duvidosos, se levarmos em conta as tendências dos anos 80). Aos 10 pintou a primeira tela a óleo. Aos 12 customizava as próprias roupas com temas das bandas que curtia e aos 16 criava peças exclusivas para fugir do que todo mundo usava.
Contudo, e o que é o mais comum (e estamos falando de quase 20 anos atrás), na hora de escolher uma faculdade e uma profissão, acabou aderindo ao fluxo convencional, afinal, “ninguém vive de arte” (será?).
Cursou direito, acabou se apaixonando pela profissão e descobrindo aí novos talentos, o que a manteve por um longo período como advogada.
O que acontece com pessoas que têm esse viés artístico, seja nas artes visuais, na música, na literatura, é que, cedo ou tarde, vai ouvir o “chamado”. Não é possível ignorar uma vocação por toda a vida.
E assim, naquele momento em que viu na arte um ponto de fuga para sua transição, o que estava engavetado e escondido ali em algum lugar veio à tona com força total, como quem diz “será impossível me ignorar agora”.
Simone Michielin, profissão: artista plástica
As obras foram surgindo de forma natural e rapidamente. “Eu não sabia se ainda sabia pintar, mas foi como se eu nunca tivesse parado, como se no dia anterior eu estivesse com os pincéis na mão e suja de tinta…eu vi como sentia saudades daquele cheiro e daquela bagunça”.
Em pouco tempo, a artista tinha acervo suficiente para fazer uma exposição individual. Mas aí surge outra questão: até que ponto sua produção artística, até então vista e bem aceita apenas por pessoas próximas, poderia de fato estar no mercado? Em que momento o artista está pronto para se mostrar e encarar uma avaliação isenta desse mercado?
”“Acredito que tudo que aconteceu na sequência foi por total ausência de compromisso, de pressão, já que até ali não havia uma intenção racional de transformar aquilo em profissão (distraídos venceremos), e eu simplesmente comecei a prestar mais atenção nos tais sinais”.
Simone Michielin
Assim, após 3 meses de produção fez a primeira exposição individual, após 5 meses a primeira Casa Cor, com 7 meses a primeira exposição na Itália…e naquele primeiro ano, foram 16 exposições, entre individuais e coletivas.
Após esses primeiros contatos com o mercado, e submetida a olhares especializados de curadores experientes, compreendeu que sim, sua grande paixão poderia se tornar profissão, atividade principal, afinal…quem foi mesmo que disse que não se pode viver de arte?
Daquele ponto em diante, em qualquer check-in de hotel ou cadastro online, tornou-se Simone Michielin, artista plástica.
Viver de arte – os ajustes necessários para transformar hobby em profissão
Mesmo quando tudo parece naturalmente encaminhado (destino?), para transformar sonho em realidade ainda assim é preciso arregaçar as mangas e buscar algumas alternativas.
A diferença entre a arte como hobby e a arte como atividade exclusiva e fonte de renda exige adaptações.
”“Quando entendi que era isso que eu queria fazer da minha vida, decidi que trataria de fato como um business, eu criaria uma empresa de arte!”.
Simone Michielin
O primeiro desafio era criar um novo networking, até então jurídico, mas que agora precisava apresentar a Simone como artista plástica, a um meio em que era totalmente desconhecida.
Foram então necessários alguns outros adjetivos: destemida, descarada, marketeira e empreendedora!
Ao “bater na porta” dos arquitetos que fariam a Casa Cor SC de 2015 e que não tinham a menor ideia de quem era Simone Michielin na fila do pão, viu uma grata aceitação do seu trabalho e emplacou 7 obras em 4 ambientes diferentes naquela mesma edição (aqui de novo os “distraídos venceremos” porque até que alguém lhe falasse que aquela era uma bela marca, não tinha a menor ideia, apenas achava bom).
Quando percorreu as ruas de Florença, com 5 obras debaixo do braço, para submetê-las à avaliação do curador de uma exposição internacional, que reuniria artistas de 8 países, (e ao invés das 3 que seria o limite por artista expôs todas as 5 telas), entendeu a longa avaliação da curadoria, que destacou os pontos fortes do seu trabalho e lhe incentivou a prosseguir com sua produção artística.
Assim como entendeu o valor do seu trabalho, também entendeu que o momento pedia uma atuação mais contemporânea, até mesmo para dar vazão a uma criatividade hiperativa, que parece não ter momentos de latência.
Surgiram assim outros produtos, outras plataformas, outra marca própria e um ateliê aberto ao público, que a qualquer hora se pode encontrar a artista em plena produção!
Novos canais para a arte
A pintura, em sua forma mais pura, continua sendo a razão principal do trabalho da artista, onde sua expressão se manifesta, onde as ideias nascem.
Tudo começa com um desenho, uma pintura, para depois ser desdobrada e, assim, atingir diferentes públicos, com a aplicação de suas criações a produtos secundários (sketchbooks, gravuras, cerâmicas, camisetas, e o que mais surgir). Com isso, a artista se permite brincar com seu dom e o próprio conceito de “pop art”, criando alternativas acessíveis a quem deseja esse contato com a arte mas ainda nao alcanca uma obra original e exclusiva.
E foi justamente seu particular gosto pela cultura pop que inspirou a criação de uma segunda marca, a FaberWHO?, em que cria objetos de personagens icônicos do cinema, música, histórias em quadrinhos, seriados de TV, uma espécie de toy art colecionável.
A criação desses desdobramentos não excluíram as produções exclusivas e originais, tanto as independentes como as realizadas sob demanda, que nesse caso permitem uma divertida co-participação dos clientes, seja no tema ou na escolha da paleta de cores, criando a experiência de, ainda que de forma indireta, ter sido também o criador daquela obra de arte personalizada!
”“Eu sou inquieta por natureza, então acho difícil me manter em um mesmo formato ou linha de produção...estou sempre buscando novos materiais, novas formas de trabalhar, novas plataformas, isso se reflete no meu trabalho”
Simone Michielin
Talvez seja exatamente essa inquietude que não a faz ter medo de mudanças…e assim encarou mais uma: em 2020 se mudou para a Itália, recomeçando do início, mais uma vez.
Difícil seria não ser artista!
Viver de arte exige algumas concessões e se desapegar de algumas certezas e superar algumas crenças, pode sim ser um pouco doloroso. Sempre aprendemos que o sucesso e o sustento devem vir do trabalho duro, suado, muitas vezes sofrido…como então acreditar que se pode alcançar tudo isso com algo que é fluido, natural, prazeroso? Com algo que não perturba seu domingo pela proximidade com a segunda-feira? Com algo que não te faz viver em apnéia esperando pelo fim de semana para a respirada curta antes da próxima apnéia?
Esse paradoxo talvez popule a cabeça de muitos que lêem o texto neste momento, “mas se você tiver algo que te faça vibrar realmente, que te faça ter “fome de vida”, que te mostre que isso possa de alguma forma impactar positivamente alguém… faça, e faça o que tiver que ser feito para que isso seja sustentável, para que isso possa ser a sua realidade e você não precise mais se desviar do seu caminho natural”.
É muito comum ela ainda ouvir “deve ser difícil viver de arte”, como aquela máxima do passado…mas para alguém que tem isso na alma, que tem isso como um movimento interno inafastável… “difícil seria não ser!”
”“Eu li essa fala dita por algum artista, que não lembro quem foi, e isso se internalizou em mim como se fosse uma resposta minha para mim mesma, se surgir alguma dúvida sobre o caminho que escolhi. Hoje, personalidade e profissão se confundem, o que me permite não só vivenciar a arte, mas viver da arte…e me sinto ridiculamente feliz por isso, acho que todo mundo merece conhecer esse sentimento!”
Simone Michielin